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Compras

Tem coisas que o mercado municipal não tem em fartura como batata, vergamota, limão ou linguado, para ficar só em uma facção de peixe.

Um bom mercado municipal tem aromas, feirantes falantes, um salivar prévio diante de uma goiaba das boas, histórias como a daquela vez em que compramos algo para um jantar que não fui, mas que estive presente porque apalpamos leguminosas ou frutas ou escolhemos temperos. Quando me coloco na cena e nas escolhas, é apenas para dizer que estive ali, não que -de fato- escolhi algum alimento. Minha capacidade culinária se resume a um honesto arroz com linguiça e, claro, ao I Food.

No armazém das pequenas coisas, guardo o café do mercado, o gosto indescritível de esperas, daquela gente passante, dos morantes estranhos, de um cheiro misturado entre farinha, fermento, farmácia natural e queijo ralado. Os alimentos expostos, o hálito gelado vindo do açougue, um certo prazer teu tanto pela escolha quanto pelo evento que estava em gestação, os amigos reunidos, as pessoas chegando, um brinde aos vindos, uma ausência certa.

Tenho muito arrependimentos não digeridos. Desconfio de quem afirma que só se arrepende de algo que não fez. Sou de outra matéria, não me importa crenças de sim ou de não à respeito disso. Não digo que sou feito de um linho melhor ou pior, não acredito sequer que existam trajetórias mais ou menos do que qualquer coisa. Como diria Pessoa, “a realidade é sempre mais ou menos do que nós queremos”. O que posso expressar sem sombra e sem dúvida é que o mercado municipal foi marcado para além das frutas, carnes, cafés, iguarias, samambaias, ervas ou qualquer coisa de exótico. O que aconteceu ali e resistirá no sempre, é gosto do encontro, o sabor amoroso e bom de escolher lembranças felizes para ofertar ao coração, alimentar a alma e confirmar na vida.