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O peso de escrever

Eu sempre escrevi como quem precisa, escrever nunca foi um dom, mas algo que faço porque preciso, e esse preciso precisa ser lido em sua segunda interpretação possível, correspondendo a um estado de espírito, de observação, de ideia, de alívio, de esperança, de raiva, de reverência ao espaço profundo e raso que me colocou e que também vai me tirar do mundo.

Nada, nunca, tive o que chamam de inspiração, sempre vivi as coisas que escrevi. Escrever era um pouco existir e isso não precisa de comprovação.

Muitas vezes sobrevivi ao que estava inscrito em mim. Escrevo o que vejo e o que vejo é o bastante para esse insistente registro. Também escrevo o que pedem, e o que pedem normalmente é uma causa, talvez um livro, uma campanha, tudo um que passa num instante.

Um dia, passei a escrever o que sinto, o que fazia sentido, o que me aguçava os sentidos a quem me lia como ninguém, sem que precisa escrever. A pena é que os escritos eram proscritos, apócrifos, anónimos. Mesmo assim, dada a importância que a leitura e a leitura têm, tudo se tornou uma conversa de cartas, dezenas. Palavras digitais, manuais, espaço onde te sabia e te sabendo, me descrevia.

Te contei sobre ilhas, criaturas, ventos, amore, muitos ventos, além de portais, encontro, dialetos, dias de rádio fechado, noites vigiadas, fendas no tempo, desvios, escrita e correspondências extintas em chamas deletadas. Por anos, escrever era o que me restava.

Não precisei imaginar Parati, noites paulistas, casais de pijama, isso é muito mais estava dito, no invisível dito, na espera dita, no exasperante e reagir leve, tateando sinais, esperando notícias, submergindo e inventando uma língua de sinais.

Escrever sempre foi não rever o escrito, era uma conversa (conversa não se revisa), um café, a mão tamborilando na mesa, o nervoso da vinda, os 20 minutos de fresta, o pisca alerta, a volta pra casa e nisso, um fim de festa.

Então a mão que escrevia certezas foi a mão que inscreveu-se desconfiança,com todos os atos e ditos se vestindo de farsa, valsinha não toca mais, beija-flor não vem na porta, minha palavra banida, se esgueirando, bandida, justo onde foi comemorada, tudo virando palavra morta, seca, nada.

A janela está fechada, não há sinal de sutura, te sofri, te morri, te fui eu, me fundi a tudo que agora é a tua verdade não escrita sobre o que não sou.