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O que quer dizer

Quem disse o que vou contar é ninguém menos que João Bosco, um dos compositores mais gigantes do mundo. Ele tem melodias sofisticadas, complexas e tão cheias de nuances que chegam ao quase inalcançável estágio da simplicidade. Parece isso, simples, mas não tente fazer em casa. Eu tentei, o resultado é terrível para o ego. Pois bem, esse cara disse uma coisa sobre Elis Regina: “É só depois que ela canta algo nosso que a gente entende o que quis dizer sobre aquilo”. Ouvi pela primeira vez essa canção no filme “Fale com ela”. Ela é já é uma senhora, foi criada no meio dos anos 50. Fala de um amor que uniu duas almas e da dor que toma conta quando é preciso ou quando acontece a separação. Ir ou deixar ir é devastador, não importa o motivo, não interessa o que se pensa sobre o que aconteceu ou o que se pensa que ocorreu. Fato ou não, verdade ou ilusão, o que motiva uma separação quebra por dentro e destrói por fora, feito fratura exposta. Ninguém me contou, ninguém me falou a respeito. Ao viver isso é que soube o que dor quer dizer ao doer em sua plenitude. Queria te contar isso hoje que encontrei um bom amigo no caminho do trabalho e que comi uma laranja deliciosa, roubada de uma árvore gentil. É incrível como pequenos prazeres como alcançar frutas no pé, o vento que a bicileta propicia, um encontro casual, mesmo ver a janela fechada, suar, cansar, dormir 4 ou 5 horas inteiras, encontrar o filho em descanso tarde da noite, tudo que for realmente descomplicado trará conforto paliativo. Ao mesmo tempo, nada fara diferença porque não se está no lugar certo, nem no cosmos, nem na esquina, nos astros, na praia, na biblioteca, você não está em um espaço determinado e onde quer que se encontre, não é lá que você está. Você está na falta, no seco, no árido, no empoeirado, nada se mexe e sim, tudo ficará bem, mas até lá, a dor não passa e fica vigiando, como quem espera atras da porta para te dar um susto. Não é prudente ignorar a separação do amor da sua alma. É quando o vazio se instala e você não sabe o que fazer. É quando seu espírito estala e o corpo implora para quebrar. É tão intenso, tenso, agonizante, esvaziante que você olha o espetáculo maravilhoso que é um dia em seus milagres incríveis, você olha para eles e não se emociona.

Como disse, ouvi pela primeira vez essa música com Caetano em “Fale com Ela”, do Almodovar. Achei bonito, nada muito além disso. Dia desses, te ouvi nessa canção. Ela entrou de manhã e foi ficando para o café, serviu o almoço, preparou um lanchinho e dormimos juntos.

Caetano capturou o que o autor dessa canção quis dizer. As nuances do lamento que chora sem lagrima, que suspira, que se exila e espera, que transita, que olha a janela, que precisa falar com ela, que não sabe o que fazer, que a dor faz o que sabe que é doer, Caetano e as cordas que o arranjador colocou na melodia, tudo ali chora e coloca beleza no que há de humano nas separações que esperam reparação e reunião.

Se você quer saber como é andar sem, ouça o que isso quer dizer na voz de Caetano aqui embaixo.