O nome é Leonardo, o calor é insuportável. Ele é um sujeito bem educado, calmo, bom de bola. Estamos no dia 04 de julho, é copa do mundo, o Brasil enfrenta o EUA e o nome dele agora você sabe, é um dos melhores laterais que o mundo viu jogar. Esse aatleta, sozinho, derrubou o Inter no Beira Rio, quando isso era impossível. O time americano marca, marca, marca e marca. Então, o sujeito bem educado, calmo e bom de bola se vê cercado por um jogador adversário. Ele marca, marca, marca e marca. Não desiste, marca. Insiste, marca. Pressiona, marca.

Então, irritado e sob tensão, Leonardo faz o impensável para a ideia que temos dele. Levanta o braço e com o cotovelo acerta o yank. Fratura seu maxilar e o crânio, é expulso, não joga mais copa e não se livraria mais daquela cena. Leonardo deve ter seus feitos cancelados? Todas as conquistas precisam ser checadas? Ele deixou de ser um jogador brilhante? Aquele instante, naquele lance, naquela hora, tinge de vergonha o antes e condena o depois ao julgamento eterno?
O que Leonardo fez foi errado, certo? Certo sim, foi errado. Mas o antes de Leonardo não pode ser esquecido. Jogou com salários atrasados. Com o mindinho quebrado. Fez do talento a alegria de milhões mundo afora. O depois de Leonardo foi acompanhado pela aquela única jogada desleal da carreira. O depois fez de qualquer falta um motivo de vaia.
Não defendendo os faltosos na vida. Estou dizendo que é preciso cautela: aquilo aconteceu, foi horroroso, mas não deveria ter o poder de colocar em dúvida todo o resto que Leonardo realizou. Aquele lance foi verdade, o que não transforma em mentira as jogadas, campeonatos, títulos, treinos, dores e o desejo sincero de continuar jogando.

Foi na Grécia, acho. Era uma olimpíada. Um atleta paraolímpico entra com um arco e se prepara para lançar uma tocha pela noite. O artefato viaja sob o olhar atento de milhões e pimba, acende a pira olímpica. Foi lindo, mas não foi assim. Na verdade a tocha passou longe da pira. O chama olímpica foi acessa quando a flecha passa por cima do local, dando a impressão que havia atingido seu objetivo. A emoção causada foi muito, muito, muito impactante. O ohhhhh dos presentes, o wowwwwwww do planeta. O que se viu não era o que se viu. E o que achamos que vimos causou comoção, entusiasmo, êxtase. Nem sempre o que vemos é o que vemos, as conclusões a que chegamos podem ter sido obtidas por um segundo de tempo, visto de um lugar onde não se podia se ver o certo, num julgamento que parte do princípio de que o vivido foi uma farsa. Foi? O atleta não era atleta? A flecha não era flexa, o fogo não acendeu? A emoção não aconteceu? As pessoas não foram tocadas? A organização não pensou em detalhes, a ideia não envolveu centenas de técnicos, deu errado? Foi mesmo uma mentira ou se pode dizer outra coisa?
O que estou tentando conversar é sobre verdades reais serem questionadas como verdades porque aconteceu algo que não se esperava, porque circunstâncias inesperadas surgiram. Leonardo foi um baita jogador e uma pessoa extraordinária. A chama Olímpica foi acessa não por uma flecha em chamas, não vimos aquilo na hora, mas isso não diminuiu a beleza verdadeira da ideia e do ato. Alguém só pode ser lido por seus acertos e tudo que escreveu e fez deve ser esquecido pelos erros que cometeu? Então seus escritos não existiram? Então os fatos que enfrentou foram inventados? Então as imagens não eram reais? Nem as saudades, nem a resistência de ficar ali pensando no nada que via? Então tudo era areia e pó?
Hoje não vim com respostas. Hoje só vim e vim só. Pensando no só que sentia, em cada vírgula, em cada presença, em cada livro e cada presente, em cada dia, em cada vinda, em cada encontro e em cada ida para o invisível, tudo foi verdade que não precisa ser acreditada.