
Cazuza que me perdoe a pretensão, mas o tempo para sim. Ele pode ficar suspenso em uma cena, nas penas e tribunais, em algumas certezas, em muitas dúvidas, naquelas nostalgias, nas memórias, ou tatuadas nos corpos.
O tempo para porque é mais do que quando e muito mais do que quando aquele quando aconteceu. Penso que lembrando de si mesmo, o tempo volte apressado para um determinado momento (que nem existe) e que, na correria, se perca no inexato do qual é feito, matando os acontecidos nessa emboscada. Não era aquela roupa, nem aquele rosto era, o dia não foi bem aquele, e fevereiro nunca teve 30 dias. Aquela marca nem existia, não foi ali que te apontaram os erros, onde você caiu, não foi naquela hora que a chuva parou, que a noite veio ou que o dedo bateu em cheio na quina da cama. O passado remonta, sonolento (não sem viço) tudo que tenhamos visto ou vivido, todo o havido ou tudo que foi dito, entendido e ouvido.
O tempo para porque é mais do que quando e muito mais do que se espera quando o quando acontecer: nada é conforme o planejado, tudo foi como o imprevisto, todos não foram o que se desejava e quem apostou na perfeição, perdeu. O futuro é o passado metido a besta, tem a respiração e a língua presa, a pressa para que chegue, é a besta que nos captura e nos crava os dentes, o que dói por uma razão: são inexistentes.
O tempo para porque é talvez, existindo num fragmento dele mesmo, agora e nada além do agora. É ali, no altamente indescritível, que o tempo mora, imóvel em suas frestas e desníveis. É o quando, quando o quando vibra no coração que comemora na exata hora do gol. Que vive em quem entende que aquela pessoa toca com você o que há de infinito nos encontros e desencontros. Que perde a respiração e treme, imperfeito e bom, diante de tudo que é vívido no eterno daquele instante.
O tempo para porque é talvez, no imprevisto do momento, não vem com manual, não adianta dizer Alexa, conte como será. O tempo para justamente para que o sentimento e o real se aninhem em urgência feroz e mansa, para que a escolha te aborreça e felicite, para que o amor se perca e te encontre, para que recordações acabem e esperanças morram, para que a gente se perdoe, para que a chatice nos deixe a sós, para que corpos se entreguem, para que farol e enluarada cantem. Para que a gente coma escondidinho, faça uma viagem, case ou não case, assista Casablanca e aquela série que deixa emoção engasgada. Para compartilhar Ferreira Goulart e sua moça branca de neve entre nós quando o próprio tempo não seja leve. Para irmos num estádio vermelho, ande no parque, leia um texto intrigante, conheça um lugar novo, tenha um lugar de sempre, um amigo chato, a hora oficial e ache Bolsonaro e Lula moedas diferentes de um mesmo absurdo. Para que a coragem fique, a indiferença fuja, o pertencer seja um direito, como café com pão na chapa. Para ver (e quase não acreditar) que o Inter venceu o mundial. Para que a gente tenha um dialeto próprio e piadas que se repetem. Para que conte e reconte histórias ouvidas com mesmo interesse em todas as vezes, que fique olhando um segundo a mais, que seja a primeira lembrança acordada, a última saudade dormida, o perigo da dor nascida da perda, do desentendimento, da vida, do sentimento. Porque sentir é o que acontece quando o quando do tempo é talvez e seu presente é tudo que existe. É talvez por estar no colo do cheiro da terra molhada e caso não chova, o dia seja azul, cheio de mensagens, sinais, aragens, alegrias, sumos, essências, roupas que duram por anos, bom humor e silêncios (alguns aborrecidos), tudo com a consciência de que se não for agora, não há outra saída: tempo não reencarna nem morre. Ele diz para ao passado, não dispara para o futuro, só para no presente para que a gente renasça, se apresente e saiba que o amor e a vida existem inseparáveis e bebem na mesma taça. Então almas se encontram para se tornar tudo que não passa.