Remarcom

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Não somos um. Ufa.

Às vezes preciso te manter longe das minhas tristezas. Não para que não as vejas. O motivo tem pouca nobreza e é, mesmo, de outra lavra. A palavra certa é que elas não são tuas. São amigos ou inimigos invisíveis, me acompanham há tempos, como dizes. Só serão alegria, um dia, se atravessa-las em busca não de ti, mas de mim. Não podes me tirar nenhuma, como não conseguiria com as tuas. Posso compartilhar olhares ou beber da mesma água. Conversar sobre o que ouço e trocar abraços intermináveis desse nosso encontro no sempre. Podemos diminuir dores um e outro e de fato isso acontece comigo. Também é plenamente possível supor delícias, imaginar caminhos e mesmo percorre-los lado a lado, contando o que vemos um ao outro. Tendo um ao outro e amando outro e um. Mas viver é particular, feitio e modelo pessoal, não há nada de estupendo nessa conclusão. A não ser, certamente, o próprio entendimento sobre o quem sou eu, o que és tu e o nós que construímos juntos.

Uma das ideias do amor romântico é a da fusão. O dois que se transforma em um e toda lorota subsequente. Siameses afetivos dividindo um cérebro, uma conta bancária, um controle absurdo de um e de outro sobre o outro e o um, com a participação especial do ciúme. Mais chato, só cinema da Nicarágua. Além disso, qualquer coisa que se encaminhe para a despersonalização atrairá a força do ego em defesa do indivíduo, função principal desse instrumento da psique. É uma luta onde o que há de possível no amor imediatamente se inviabiliza, mesmo que o imediatamente leve anos e anos. A lição disso é que ser obrigado (ou obrigada) por qualquer motivo a a qualquer coisa pode funcionar por um tempo, mas vai cair na secura da qual a obrigação é concebida. Mas se escolhemos, ah as escolhas. Se escolhemos, o jogo é outro. A liberdade da escolha, com os milhões de outros caminhos descartados, é exatamente isso que faz a diferença.

As escolhas revelam nossas prioridades e o que estamos dispostos a abrir mão. Mostra claramente o caminho que preferimos seguir por amor, responsabilidade, dívida, o que seja. Por isso, às vezes, preciso manter longe de ti as minhas tristezas. Elas são indivisíveis comigo, nem más nem boas. Parte de mim e mesmo das alegrias que tenha e espalhe, tristezas também me representam. E sinto isso em ausências fundamentais. Nos silêncios e exílios do tanto que pode ser e existir. Fazem parte. Geram lembranças. Trazem saudades. Se no meio de tudo causam dor, é porque ainda não aprendi a respeitar a escolha sobre o que não me cabe julgamento. No entanto, eis aqui eu. O observador. O assustado. O sentimento.***