
Alguém fez um comentário e me pediu para não publicá-lo, apenas para ler. Foi o que fiz. Então concluí que a pessoa entendeu que escrevia especificamente para ela, o que está longe demais do real. Esse espaço foi inspirado pela alma que amo há muitos anos e, caso existam, muitas vidas. Não há espaço em mim para outros olhares nesse tipo de afeto. Entretanto, o comentário e o pedido me fizeram pensar sobre o quê e como escrevo. Costumo dizer que vivo sendo e que só obtenho dizeres à medida que esses representem viveres. Não ficciono, é uma condição. Não simulo dores ou prazeres, amor ou estados de espírito. O que está escrito foi vivido. Não é o bem certo nem o diabo errado. Sou eu, contanto o que vejo e de que lado. Nesses tempos de pós-verdade, declarações frígidas sobre tudo, gente rígida e cercada de capacetes, nada me interessa menos do que desentendimentos. Na verdade, nunca me chamou a atenção o dito por subterfúgios, o escrito cuja missão era outra, não faço tipo, sou esquisito de fato. A claridade que vejo em mim e no que declaro talvez nem seja assim tão transparente, mas sigo contando o que vejo. Ah, é o rabo. Não, é a pata. Nossa, é a tromba. De tudo que tenho de eterno ou de instante, juro que pelo peso, pela cauda miúda e pelo som que faz que as vezes o que toco e um cão e noutras, um elefante.
No fim, somos feitos de histórias cujo início é um meio de chegar aos afins, aos similares, velhos amigos, o único amor, alguma construção, muitas bençãos, canções, pedacinhos do tempo, danças e algum vento. Vivo de escrever há tanto tempo que isso se tornou pra mim um tipo de entendimento. Do mundo, da BIC, filosofias, alegrias, horas azuis, shows de Trumans, Hommer, homens, filhos, amigos, pais, estradas, livros. Arte nem tanto. Vida sempre. Asteriscos. Escrituras, lugar no cosmos, partituras, batutas, batatas, bitucas, pedaços, pistas, traços. Eu ofício é ode moer palavras, torna-las, toma-las com mais leite do que café, doma-las e deixar que voltem para suas próprias histórias. Escrevo não para dizer algo, mas para o que eu diga não viva a esmo. Não são recados. São letras que jogo no labirinto de mim mesmo. Não sei se me liberta. Mas sei onde não fico preso.