
Adoro UP. O desenho me deixa animado e sim, o trocadilho foi horrível, é a especialidade da casa. Faço luxuosas piadas ruins, sou uma espécie de Chandler tropical. Esse filme conta a história de encontros, lares, amores mágicos, além de coisas feitas do eterno que há no sempre. Acho que você não se deu conta do achado que encontrou em sua curiosidade pensante. Sempre não é um lugar, mas a natureza sobrenatural de amores, lares e encontros, mágicos. Associam muito magia aos ilusionistas. Entretanto, seus portadores originais vêm da Pérsia, eram sábios que compreendiam a composição dos mistérios, o destino dos profetas e o porque do inexplicável. A razão fechou as portas para o intuitivo, necessita de uma constante, carece do inusitado, primo-irmão da criatividade. Mas como o ego tem seu lado belo, entregamos o direito ao extraordinário a estúdios, esportista de alto desempenho, escritores, artistas, observadores da vida, pensadores em geral, estetas no particular, alguns cientistas, além de poucos humanos. A eles, permitimos o acesso à realidades pelas quais torcemos mas não temos coragem de acreditar na possibilidade da concretude. Então, certos de que o mágico e a magia são feitos de fantasia, duvidamos de quem percebe que a vida tem palavras e gestos feitos de encanto e palavras-senha. E se houvessem portais em dimensões desniveladas do tempo, esse elemento imóvel por quem passamos?
UP, dizem alguns e a Pixer nega, foi baseada na história de Edith Macefield, que vivia em Seatle e não vendeu sua casa centenária de jeito nenhum. Posso passar o resto da vida escrevendo sobre o óbvio: a arte faz sucesso quando reproduz a vida, seus desejos e realidades submersas. É preciso crer em algo para vê-lo em suas cores indizíveis, entalhes, detalhes, pureza e poder. Desconfiamos que pode ser verdade que hajam encontros, lares e amores mágicos. É por isso que ficamos duas horas vendo uma animação onde um homem perde sua amada, foge em uma casa com balões, inspira um escoteiro e acaba abduzido por ele da sua ranzinice. Ambos encontram um bicho raro enquanto carregam uma casa (carregam uma casa!) que ficará ao lado de uma cachoeira, como imaginado pelo amor daquela vida.

Não posso deixar de pensar na coragem que é preciso para criar as histórias que vivemos porque as permitimos, sonhamos ou desejamos. Como em UP (e que se encontrará no arco de qualquer grande narrativa), muita coisa dá errado até que o amor faça a platéia suspirar. Até que casais se apertem as mãos. Até que homens e mulheres chorem feito crianças pela humanidade habitante naquele desenho. Até que se faça paralelos com o o vivido. Até que algo te ligue àquela história de um homem, sua mulher, desse encontro, daquele lar e de um amor mágico, tudo disfarçado de animação. Mas como desconfiamos que aquilo existe, a mágica acontece. Então torcemos contra o vilão desenho. Rimos do cone da vergonha desenho. Conhecemos o escoteiro desenho de algum lugar. Sofremos com a perda da mulher desenho. Sentimos as dores nas juntas do homem desenho. Tocamos na madeira da casa desenho. No fundo, não queremos que seja um desenho. Mas como é um desenho, permitimos que o impossível aja naturalmente, mostrando o que é: moléculas em movimento, com espaço em volta. Pensamentos. Eletricidade e magnetismo em ação. Fissão. Fissura. Fagulha. Fatos. Eletrons. Sons. Força. Tato. Sentido. Fusão. Vontade. Sede. Suor. Azul por inteiro. Inseparáveis, mesmo quando não juntos. Impares. Par. Passeio. Um vazio preenchido. A mulher. O marido. A parede. Outro exílio. A escolha imutável. Uma dor à espreita. A notícia inesperada. E no entanto, lembrando de UP, pensei em contar isso pra você:
Era uma vez um homem que encontrou seu amor. Era o que lhe fazia falta por uma vida. Então ele a quis tanto a ponto de a querer feliz. Não porque lhe desejava isso, mas porque recebia.
Era uma vez um homem que desejou um lugar. O lar, com um espaço de leitura, 3 cães, uma estrela, uma pedra da lua, livros e ela. Não fechou as portas. Não trancou janelas. Foi por isso que ela ficou.
Era uma vez um homem que fez-se melhor na magia do encontro. Então, encantado, ofereceu o que havia de puro em sua alma. E sendo verdade, viveu em reciprocidade.
Não sei como será. Mas, como o velhote ranzinza, farei o que for preciso. Tenho a sentimentos contraditórios, talvez como a Edith da vida real. O certo é que há uma mistura inesperada que dói. Vai ver essa é verdadeira jornada do herói.