Remarcom

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Sobre o que falo quando não falo

Não se trata exatamente de uma volta, não estou pronto pra isso. É mais uma visita fora de hora, que faço em nome das dezenas de pessoas que se manifestaram carinhosamente contrárias à minha ausência. O tempo me decora, assim no sentido de colocar sinais de expressão no rosto, além de outros apontamentos. E não me alento ao ver que hoje faz um mês que não escrevo nada, nem penso nisso, é algo que não me perturba ou incomoda. À medida que os dias constroem vãos, mais me guardo, releio velhos textos e desconfio de qualquer sintoma de esperança. Não veja nisso resquícios de tristeza, não é mesmo o caso. Como sabemos, a espera confiante (esperança) é uma carta complicada, já que vive de disposições análogas à magia, crê no acaso ou nas forças do destino, o lance ilusório do futuro. Esperança não dá boa filosofia e sendo assim, presta pra pouca coisa. Chico, com poesia de verdade, já decretou algo como “espere sentado ou você se cansa. Tá provado: quem espera nunca alcança”. Uma leitura dura disso seria um tremendo engano e penso que talvez esteja passando uma impressão errada desse tempo silencioso. Está mais para uma temporada tiritante aqui e ali, algo que não deixo criar calo nem casca, algo que o vento entalha na medida que desgasta e que talvez revele (mais adiante) ou um monumento exuberante ou um esboço bárbaro e inacabado. Será, qualquer que seja a vista, resultado daquilo que desejamos e assim sendo, acabamos vendo. A diferença atual é a tranquilidade, algo me acalma, me faz parar de tremer, me recebe e cadencia os passos. Tenho resquícios bons e ruins no final do dia, penso sempre, há noites mais dolorosas e horas boas, é a vida em seus cursos, risos e sustos.

Deixou de ser algo a alcançar, talvez porque tenha chegado meu momento, o do reconhecimento sobre perder certas lutas, o de não fazer parte de certas escolhas e de não olhar certas luas. Agora tudo isso faz parte da minha alma em silêncio e silêncio é um lugar, não a falta de som. É a manifestação em si de um sorriso aqui, de um sinal ali, tudo impermanentemente indo ou vindo. É um dueto, canto por mim, vivo a partir do sem e torço para que teu sono venha depois de um dia bonito.

O nome do livro? “Onde meu Coração foi Parar” me pareceu o mais adequado. É sobre o encontro de um homem com seu amor essencial. Não magnitudes, não perfeições, nada para sempre, quem sabe um instante feliz. Espero que tenha a força da onda sob a inspiração da brisa, que se torna tornado. Depois o resultante das águas, a história das praias e o silenciar sereno do incrível e do lendário. Não é a Odisseia. Mas saber que escolho eu e você em Ítaca é um bom começo.