
Você pode ser o dono do banco central, ter maioria no congresso, andar de papa móvel, ser presidente da coisa toda. Mas se você não tem seu próprio Natal, você não tem é nada. Há riquezas invisíveis, existem portais e sinais protegidos, fendas no mundo do ego onde encontros espetaculares acontecem, seguros ali em sua natureza. Te entregam o cheiro de terra molhada, canções específicas, palavras cifradas, amor, estado permanente de gozo, símbolos, verbena, capim limão, muitos significados, pequenos presentes, presenças tão intensas quanto raras, livros infantis e personagens como um cachorro bonachão, uma cadelinha mimada, a solidão inventada e, sempre ele, Perdas Necessárias. Você pode esperar anos por isso, resistir anos com isso em mãos, desde que também vivam em seu coração. Não as perdas, mas a presença e a confiança construída e mantida por sua essência resistente às circunstâncias e ao tempo. Você pode existir no hiato das coisas, esperando por horas a fio um riso, estar pronto por anos a fio por 10 minutos de mãos dadas, um momento, uma frase, um toque, um lugar de fala, uma declaração. Você pode acreditar que seu sentimento é curativo e estupendo nos milagres que é capaz de produzir. Por isso ser verdade, você então combina com Deus que lhe transfira o que machuque o outro e o ameace, em qualquer nível. Seja grosseria, solidão, células em multiplicação desorientada, abandono, auto aquecimento, soberba, doença rara, chatisse, normose, desonestidade, angústia, dor de qualquer magnitude, afetamento, desinteresse ou gripe forte. Não há qualquer heroísmo nisso, são gestos de amores templários. Esses, uma vez perfilados, formam teu exército de motivos, o modo como você se comporta no mundo, como ele reage a você, o que prende ou liberta de vícios ou labirintos. O mundo é competente para te desagradar, não sai da frente, é a vida em seus diversos ensaios sobre diversas cegueiras. Talvez a pior solidão inventada seja a crença sobre uma existência sem amor retribuído, tornando normal o desamor por si mesmo. Isso é mais do que sabotagem. Acho mesmo triste alguém imaginar-se imune aos afetos, dispensa-los, ignorando seus efeitos. Mas sim, há outras formas de amar sem que seja preciso dizer. Claro há eu te amo em silêncios, em presenças, em riscos, nas vindas, em pensamento, em entregas ocultas e imensas, em deixar-se conduzir, racionalizando os sentidos ou pedindo que se poupe dinheiro para velhice. Pedir sinceridade. Pedir para ser visto, ouvido em suas necessidades. Mentir para suas verdades. Se perder no encontro, rever-se feliz. Precisar ir porque ficar é o que se deseja. Eu não estava preparado para rupturas abruptas. Nunca se está, imagino. Sinceramente? Se existe quem esteja pronto para separar-se do que ama, que rifem os tambores. Eu não. Posso estar disposto a isso, mas preparado, não vejo como. Felizmente, me sinto bem por não ter sido poupado de qualquer dor. Me consideraram apto para caminhar pelo mundo usando as pernas que tenho. Ninguém se proclamou meu salvador, presupondo que sem a presença de algo ou alguém eu não seria capaz de existir. Ninguém me disse “ele não vive sem mim”, o que seria cruel e triste: lido com meu tempo e nele procuro ter a viviencia lúcida e emocionada das estações. Também o tempo exilado do bom do amor me permitiu reconhece-lo e comemora-lo em a perene plenitude. Perfeito em tudo? Não, claro que não. Então preciso ser sincero com quem me lê: não sei escrever. E antes que isso pareça pedido besta de elogio, esclareço: o que sei fazer é descrever o que vivo. Minhas opiniões são comuns e nem a mim interessam. O que estou tentando dizer é que agora, o que há de meu pra descrever é congelamento. Vamos combinar o seguinte: falar de gelo não tem graça nenhuma. Então, até que me torne verão (o que vai demorar um tanto), preciso me concentrar em aquecimento. Quando isso for fato, volto pra conversarmos sobre as vistas do meu ponto. De vez em quando? De vez em quando talvez venha conhecer alguém e diga algo. Quem sabe fotos? Quem sabe. Por hora tenho encontros com minha árvore, cafés às vezes, algumas despedidas, ajustes e o caminho que se apresenta. Há algo em mim que precisa renascer e ganhar significado por si mesmo. Será que estão lendo? Será vão entender? Houve algo, algo grande, uma avalanche, um ciclone, um cometa, um saxofone, o gatinho francês, o estado permante de abertura, a entrega completa, total e única. Agora, a vida me convida, sempre tão gentil comigo, a caminhar só, mas restaurado, a fechar portas e seguir abrigado no sempre. Foi uma honra. É algo em que saio muito melhor do que cheguei. Agi em amo pleno, fazendo por ele o maior bem que pude. Até, então. Claro que vou sentir falta.