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Coiso

“Coiso” é um tratado linguístico que utilizo há anos. É a personalização, obtida via metalinguagem, de qualquer conceito, nome, marca, momento histórico, data, invenção, enfim, um coiso. Trata-se de um avançadissimo recurso semântico, utilizado a cada falha de memória ou preguiça de pensar no nome do coiso, o que vir primeiro. As criaturas mandadas diretamente do paraíso para trabalhar comigo são de uma paciência angelical e se divertem com o cacoete. Sabe aquele coiso que parece que está de braços abertos com um coisinho que parece um rabo de porquinho? Não, não é e um porquinho só porque tem um rabinho de porco, prestatenção na conversa. É de enfiar naquela coisica de vidro que tem uma tampa diferente. Isso, saca- rolha! Quem inventa esses nomes? Porque arruela, Fé, pandeiro, rinoceronte, algodão, trigo ou pão? Fico pasmo com nomes e palavras como Rúcula, farofa clavícula. Eu só soube que tinha pleura quando machuquei a minha e não é fácil de consertar. Pra que serve? Ah, protege um monte de coiso dentro de você e dói quando inflama. O mecânico que cuida da minha bike é desses sujeitos ordeiros, incapaz de pronunciar uma palavra chula, o que seria um nome engraçado para qualquer coiso. Bem, ele costuma rir e tenta bondosamente entender o que digo. “Esse coiso que faz ik ik ik que você está descrevendo parece freio desgastado”. Isso!, respondo, enquanto ele conserta o que precisa e eu fico de boca aberta com nomes como ventil, pinça, pepino, dobra, raio ou selim. Não é incrível a palavra inacreditável, que sugere que algo incrível inacreditavelmente aconteceu? Um encontro de portais. Um ajuste na paz. Um acordo, a declaração mais linda do mundo, o descanso, a casa, a volta, a saudade. O amor incondicional, o som do Somrrisal, a piada, a tua risada, a lua e a alma enluarada, e o coiso definitivo que sinto. Dê o nome que quiser, eu sei o que é.